quarta-feira, 15 de julho de 2015

Um apelo aos deputados - Juiz João Marcos Buch



João Marcos Buch, Juiz de direito da Vara de Execuções Penais e corregedor do Sistema Prisional da Comarca de Joinville
15 de julho de 2015


Na madrugada de 02/07/2015, a maioria dos deputados federais aprovou a PEC 171, que trata da redução da maioridade penal de 18 para 16 anos de idade para crimes hediondos. Haverá nova votação na Câmara e, eventualmente, mais duas no Senado. Eu poderia, neste momento, falar sobre a questionável manobra do presidente Eduardo Cunha para repetir votação daquilo que já havia sido reprovado na madrugada anterior ou então trazer os argumentos da inconstitucionalidade da proposta. Isto porém será discutido em modo e tempo certos, já tendo o Supremo Tribunal Federal sido provocado. Nesta etapa, restrinjo-me a lançar um apelo aos deputados federais.

Porque eu trabalho há muitos anos com Direito Penal, processo penal e execução penal; porque já julguei e condenei pessoas a 80, 90, 100 anos de reclusão. Porque já colhi depoimentos de vítimas chorando em desespero, traumatizadas em sua dor; porque vou para as ruas e presencio as carências das comunidades na educação, na saúde, na moradia e no trabalho. Porque entro nos presídios (SC, RS, MA, SP) e vejo, cheiro e sinto nas veias o holocausto do cárcere. Porque já visitei presídios nos Estados Unidos, Itália e França e pude comparar o que há de melhor e pior no sistema; porque estudo sobre como alcançar um mundo não violento.

Porque ONU, Unicef, Anistia Brasil, Associação dos Magistrados Brasileiros e tantas outras instituições civis e humanitárias apontam para a efetivação do Estatuto da Criança e do Adolescente como o melhor caminho para retirar o jovem do flagelo do crime. Porque desejo menos vítimas. Porque sei que um dia teremos no Brasil políticas que garantam oportunidades aos adolescentes e que lhes permitam realizar seus sonhos pelos caminhos da comunhão social. Porque acredito na humanidade e porque a história a todos julgará. É por tudo isso que eu afirmo, com todas as minhas energias: a redução da maioridade penal é retrocesso, trará mais violência, mais vítimas e mais insegurança.

Por isso, parlamentares catarinenses e de todo o Brasil, que inicialmente votaram a favor da PEC 171, coloquem a mão na consciência, retomem a razão e afastem essa terrível ameaça ao Estado democrático de direito e ao processo histórico de conquistas dos direitos humanos. Votem não à redução da maioridade penal.

Link:


http://wp.clicrbs.com.br/comunidade/2015/07/15/um-apelo-aos-deputados/?topo=84%2C2%2C18%2C%2C%2C77

sexta-feira, 10 de julho de 2015

AÇÕES INOVADORAS DA PÁTRIA EDUCADORA: VAGAS PRO-PRISÃO PARA JOVENS NAS FILEIRAS DO PCC

Quando a sociedade civil se manifesta contra a redução da maioridade penal, não significa que apoia a impunidade, como reificam alguns por aí. Num discurso Comteano que a militância seria em prol da “desordem social”.

Os contrários à aprovação da emenda constitucional alegam a Inconstitucionalidade do ato, a ineficiência do estado penal e, principalmente, a possibilidade de punir os crimes de menor poder ofensivo com penas alternativas. No imbróglio da temática, a discussão sobre menores em conflito com a lei é sempre mediada pela latente necessidade de políticas de inclusão, de fato, eficientes. 

Na contramão das prioridades e dos investimentos necessários, a Câmara aprovou, com manobras e pedaladas regimentais, uma versão “Cunhalesca” da PEC 171/93, no dia 02 de julho. A proposta segue para a votação no Senado, sem refletir sobre quem são os jovens em conflito com a lei no Brasil.

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - (IPEA) esclarece a questão: 60% com idade entre 16 e 18 anos e negros; 51% não frequentavam a escola; 49% não trabalhavam quando cometeram o delito e 66% viviam em famílias extremamente pobres. O cenário indica que a vulnerabilidade destes adolescentes estava posta a priori, ou seja, sem acesso à escola e ao trabalho adequado, foram “desarraigados” dos espaços de sociabilidade e das proteções sociais necessárias. 

Ouço questionamentos: ele [o jovem] pode votar ou escolher o presidente da república, mas não pode ser preso! Prezados, todos sabemos que o voto é facultativo ao jovem menor de 18 anos, a prisão, neste caso, não será. Outro ponto não conjecturado pelo “senso comum” encontra-se no fato de que o aprisionamento deixaria consequências desastrosas para a vida inteira, alimentadas pelo paradoxo da violência nas prisões e pela altíssima reincidência penal. 

Na concepção do Filósofo Michel Foucault, a prisão há muito tempo deixou de pulverizar, esquartejar os corpos, para ferir a alma dos sujeitos. No Brasil, outras especificidades foram incorporadas à punição pelas facções criminosas, que coordenam em alguns estados serviços penitenciários e decidem sobre a vida e a morte de indivíduos em privação de liberdade.

Nessa direção, enviar os jovens às penitenciárias seria transferir as responsabilidades do Estado, em certa medida, às facções criminosas. As penitenciárias brasileiras, a exemplo das localizadas no estado de São Paulo, são gerenciadas por facções. É ponto pacífico que os jovens pobres precisam de maior acesso aos espaços de socialização. Por que não integrá-los socialmente pela via educacional? Lá na prisão, os garotos serão ressocializados às avessas, como soldados no cumprimento do Estatuto do PCC.

O Brasil prende muito! Segundo o Departamento Penitenciário Nacional, no ano de 2014, ultrapassou-se a marca de 607.731 mil pessoas em privação de liberdade. Comparando as taxas de aprisionamentos e nascimentos, no período de 2006 a 2013 o encarceramento cresceu 53% e a população brasileira, na média de 7%, isto é, prender não significa menos crime, sobretudo, porque não ocorre o tratamento penal adequado. 

Não basta reduzir a idade penal e aprisionar. Devemos problematizar como prender? Onde prender? Podemos aplicar penas alternativas para crimes de menor potencial ofensivo, como o uso de tornozeleiras eletrônicas. 

Penso no trabalho extra da cúpula do "partido" PCC, caso a Proposta de Emenda Constitucional, que dispõe sobre a Redução da Maioridade Penal, seja aprovada, também pelo Senado, e referendada pelo STF. O Marcola (líder do PCC) terá que reformular o estatuto, com “cláusulas especiais” para os adolescentes em conflito com a lei. 

Nessa direção, a PEC seria mais uma das Ações inovadoras da Pátria Educadora. Imagino o slogan do anúncio publicitário: Vagas Pro-prisão para jovens a partir de 16 anos ingressarem nas fileiras do PCC. Certamente, investir em educação seria mais econômico e, inclusive, viável para reduzir as desigualdades sociais.

Eli Torres é Socióloga, pesquisadora e Servidora licenciada da Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário (Agepen).